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Notícias: Fórum MPHP - Aqui Você tem a palavra! Procure controlar sua ideologia, tanto quanto isto for possível.
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 : 29:02:08:02:15:35 
Iniciado por Mário - Última Mensagem: por Aíla
Na recente discussão sobre Paulo de Tarso, à luz de Hyan Maccoby, foi levantada a questão da ideologia no trato das questões históricas e em especial dentro do nosso tema.
Aparentemente, foi estabelecido um consenso naquela discussão de que os autores sempre serão movidos por sua ideologia. Assim um cristão levará a argumentação no sentido de comprovar sua fé um ateu fará exatamente o contrário.

Não, isso seria apologia e não ideologia. O que eu escrevi foi uma resposta à pergunta sobre a "verdade histórica". Eu disse que não há a "verdade histórica" e nem a verdade científica. O que existem são verdades sob certos pontos de vista (ideologias). Eu disse que o pesquisador ao escolher o objeto de pesquisa já está marcado pela ideologia. Falei que me referia a isso no sentido bultmanniano: "presuppositionless exegesis is impossible". Ou seja, quando nos aproximamos de um objeto de estudo já o fazemos a partir da nossa etnia, classe social, crença, etc. Coisas são importantes para mim por causa de quem eu sou... as mesmas coisas não são importantes para o Sr por causa de quem o Sr é. Isso não fere a objetividade científica, isso relativiza a verdade científica que por tanto tempo se impôs como imparcial.
Eu inclusive nunca acusei Maccoby, até brinquei com os "silêncios" dele falando de amnésia ou modestia. Eu apenas quis dizer que para Maccoby certas informações não têm importância, mas para mim que vejo as coisas por outro ângulo essas informações são importantes. Isso significa que cada resultado de uma pesquisa só tem valor quando confrontado com quem tem uma ótica diferente.
Eu apenas considerei um trabalho científico  levando em conta os aspectos históricos e sociológicos que o rodeiam enquanto atividade científica como faria Thomas Samuel Kuhn
(veja aqui).

Eu gostaria de discutir os limites desta acertiva visto que não concordo com a aplicação desta idéia de forma generalizada, principalmente, porque sua aceitação implica na aceitação da desonestidade intelectual com a qual não posso compactuar.
Desde que iniciamos no Yahoo o Grupo JesusHistorico temos explicitado na nossa descrição que a fé nunca poderá ser utilizada como argumento e as discussões devem se basear na metodologia da moderna pesquisa histórica. regra que na medida do possível procuramos preservar.
Se isso não fosse possível, e tem sido demonstrado viável por vários autores, teríamos que desprezar acredito que cerca de 90% da literatura sobre o Jesus Histórico visto que ela foi produzida por autores que professam a fé cristã.

Creio que não estamos falando o mesmo idioma, o que eu disse no tópico sobre Maccoby foi apenas que não existe a verdade científica, mas existe honestidade e procura do máximo de objetividade científica que nos for possível, sendo que sempre será uma verdade sob determinada ótica. O mito da verdade científica já caiu. Estamos na pós-modernidade.

Assim, John Meier é um padre católico e Charles Charlesworth é um pastor protestante e conseguiram em suas obras pesquisar o Jesus Histórico sem se levar por sua fé.
Quando a Aíla afirma naquela discussão que Maccoby omitiu dados que, seguramente, conhecia para justificar seus argumentos temos que suspeitar de má fé. E sem essa de que não devemos julgar para não sermos julgados, pois considero esta uma das máximas mais hipócritas do cristianismo.

John Meier & Cia não fazem apologia da religião cristã. Mas eles possuem a ideologia cristã. Ou seja, eles tentam ser objetivos e são honestos, no entanto certos dados só são importantes para John Meier porque ele é John Meier, se ele fosse Maccoby outros dados seriam considerados.
Eu nunca disse, pelo menos não intencionalmente, que Maccoby omitiu de propósito dados por má fé. Aliás eu sempre elogiei Maccoby, eu sempre reconheci o valor dele e eu disse lá no tópico que eu nunca falei que Maccoby agiu de má fé. O que eu disse é que certas informações são necessárias para que o leitor tenha uma visão mais ampla. Que a visão de Maccoby está restrita ao âmbito de quem ele é como pesquisador, um judeu que tem uma hipótese de que o cristianismo, desde as sua raízes, não depende em nada do judaísmo. E que eu que vejo as coisas sob outra ótica (a ótica da cristã que tem por hipótese que o cristianismo tem as origens no judaísmo) posso ampliar a visão de Maccoby como este amplia a minha visão. Por isso sempre leio autores que não concordo e me divirto em deconstruir argumentos baseados em informações que não são consideradas pelo autor que eu li. E por isso gosto de fóruns porque tenho a esperança que alguém não deixe pedra sobre pedra de minhas teorias e assim na revolução dos paradigmas outras verdades possam surgir.

Creio que não estamos falando a mesma linguagem, acho que não me fiz entender. Vou deixar que essas palavras venham em socorro da minha limitação semântica:


"In Bultmann’s view the presuppositionless criticism is impossible in that one must always approach a text with some kind of question and preunderstanding. Or one may consider the position (held at one time at least) of the French literary critic Roland Barthes that a text is always read from some vantage point -- sociological, historical, philosophical, psychological or what have you -- and that the standpoint for reading is always chosen by the interpreter, reveals something about him, and is never innocent. Barthes also added that interpretations claiming to be the most historical are not necessarily the most objective, but may rather be the more timid or banal".
Dan O. Via Jr.

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 : 29:02:08:01:46:13 
Iniciado por Aíla - Última Mensagem: por brian_kibuuka
Cara Aíla,

Acho que é exemplar a sua atitude de nos abençoar com seus comentários e contribuições.

Em nome das centenas de anônimos do fórum, que certamente estão gratos, digo: muito obrigado!
E subscrevo suas opiniões sobre o Maccoby...

Obrigado pela força e pelo carinho que você tem mostrado a todos.


Abraços,

Brian

 53 
 : 29:02:08:01:39:51 
Iniciado por administrador - Última Mensagem: por brian_kibuuka
Olá Aíla e demais colegas,

Quero comentar esta informação sobre o pátio dos gentios.

Você está certa: o pátio era dos gentios. Mas entendamos o que Jesus fez (em minha opinião).

Os judeus chegavam nas caravanas até a cidade para as festas e sacrifícios.

Sua moedas para nada serviam no Templo. Tinham que ser trocadas por moedas específicas para o imposto e a compra do animal "kasher" para o sacrifício.

Então, eles faziam o câmbio ali, no Templo. E os sacerdotes já "embolsavam" uma porcentagem do dinheiro.

Vamos imaginar agora: com dinheiro "kasher" na mão, o sacrificante vai comprar um animal "kasher". Ora: o Monte das Oliveiras, que ficava ali pertinho, era um grande mercado (ao contrário do que nos faz pensar a iconografia cristã). Mas, caso o judeu pobre comprasse suas rolinhas para o sacrifício, ela era rejeitada, pois não atendia as normas de pureza. Logo, eles tinham que comprar animais dos sacerdotes, muito mais caros (especialmente nos dias de festa).

Amiga Aíla: imagine um pobre comprar uma pombinha por um preço DEZ VEZES MAIOR que o normal. Imagine que ele não podia caçar uma rolinha e apresentá-la ao sacrifício. Aíla, a não-participação nos sacrifícios tornava muitos uma parte do grande grupo dos "am ha-aretz".

A terceira etapa: sacrificar.

Na passagem de Marcos, Jesus, de fato, chamou a atenção para a verdade sobre o Templo: ele é a "casa de oração" para TODOS os povos. Porém, é preciso destacar: ele atentou contra os sacrifícios ao executar a tripla ação profética contra os sacerdotes cambistas, vendilhões e que levavam utensílios para o sacrifício.


Vamos falar um pouco da moldura do texto:

Antes do episódio do Templo, a multidão de peregrinos pede (Mc 11.9): hosanná! (salve-nos!).

Pois bem:  o verso 11 diz que "quando entrou em Jerusalém, no templo, tendo observado tudo, como fosse já tarde, saiu para Betânia com os doze."

O propósito redacional de Marcos é mostrar que o ato de Jesus foi pensado, refletido. Tem ligação com o clamor da multidão que, à semelhança dos judeus que acolheram Judas Macabeu, pediram ajuda, auxílio.

O texto está claramente a indicar a razão da morte de Jesus: não a blasfêmia contra o Templo (você, Aíla, está certa), mas a explicitação do uso pervertido do mesmo pelos sacerdotes.

O verso 18 afirma: "E os principais sacerdotes e escribas ouviam estas coisas e procuravam um modo de lhe tirar a vida; pois o temiam, porque toda a multidão se maravilhava de sua doutrina."

Olhe bem: nada foi feito com Jesus na hora. Por quê? Porque os romanos, em dias de festa e sacrifícios, ficavam à espreita. As sedições eram sempre tratadas com rigor (vide rebeliões nos anos 4, 7, 13, 17, 22, 29). Estas sedições prejudicavam os sacrifícios e os negócios.

Ainda que pareça muito político o que digo, e confesso que é, pelo menos é um olhar...

Os judeus daquela época queriam Jesus morto porque era considerado blasfemo? Por que se dizia Messias?

Não!

Lembremo-nos do processo no sinédrio. O texto (em Marcos, pois pode ser uma tradição deste evangelista apenas, depois a gente discute isto) é o seguinte (Mc 14.56-59):
"E, levantando-se alguns, testificavam falsamente, dizendo: Nós o ouvimos declarar: Eu destruirei este santuário edificado por mãos humanas e, em três dias, construirei outro, não por mãos humanas.  Nem assim o testemunho deles era coerente."

Perceba: os adversários de Jesus entendiam que ele gostaria de assumir o controle do Templo. Há um contexto político na descrição de Marcos...

Fico por aqui, dizendo que espero fazer companhia à solitária Aíla e aos demais colegas de fórum.

Abraços,

Brian
 

 54 
 : 28:02:08:17:40:08 
Iniciado por Aíla - Última Mensagem: por Aíla
Oi
Eu gostei muito, Sr Brian... pena que terei que voltar à minha tese em breve e não poderei participar.
Eu também acho que há coisa melhor que Maccoby para nos introduzir no mundo de Paulo, só que ele é tido como "o cara"... o único que fez pesquisa séria sobre Paulo, porque é judeu, porque é especialista em literatura rabínica, etc. Eu só quero mostrar que existem outras possibilidades, outras pesquisas, mas para isso primeiro tenho que levar Maccoby a sério e dar ao leitor de Maccoby as informações que faltam para que o leitor saiba o que está lendo. Faço isso pelas centenas de pessoas que visualizam esse fórum. Fiquei meses falando sozinha aqui, mas fiquei por causa das pessoas que gostam de ler o que escrevo, mesmo que elas fiquem aí ocultas atrás de uma tela de computador. Essas pessoas existem em algum lugar do mundo real e gostam de ler o que eu escrevo. Acho que elas merecem as informações que eu gasto horas e neurônios para conseguir adquiri-las.
Sinta-se acolhido com carinho e respeito.

 55 
 : 28:02:08:17:21:04 
Iniciado por administrador - Última Mensagem: por Aíla
Oi
Ok, mas só quero ressaltar que não se tratava do templo inteiro, apenas do pátio dos gentios. Jesus não era contra o templo, ele como outros rabinos (da Babilônia, por exemplo) e o pessoal de Qumran tinham uma atitude de relativização do templo. Isso é algo genuíno à própria fé de Israel, que existe com templo ou sem templo. O templo é secundário, os serviços no templo só existiam em função da Torah. Era porque os judeus não conseguiam cumprir a Torah que se foi instituindo o sistema sacrificial para expiar as faltas em relação a esse não cumprimento. Por isso, o bom israelita tinha isso em conta, Jesus inclusive. Relativizar o templo não era o mesmo que blasfemar contra o templo, acusação que Jesus e os seguidores receberam.
Obrigada pela postagem, às vezes o monólogo cansa.

 56 
 : 28:02:08:14:19:51 
Iniciado por Aíla - Última Mensagem: por brian_kibuuka
Caro Mário,

Acho esta imperfeição, perfeição em humanidade, aquilo que nos faz divinamente humanos.
Que Deus nos livre de sermos divinos...

Não me incomodo com qualquer discussão. A gente discute e se acerta, e pronto. Normal.

E espero não ter fugido muito do assunto do Maccoby. É que acredito que há uma linha de investigação melhor.

Acho que Paulo foi "redescoberto", tirado das prisões dogmáticas, de leituras estritas devido ao "entulhamento" da tradição paulina feita por leituras unilaterais. Acusar Paulo de não ser "tão" fariseu é, no mínimo, desconhecer o farisaísmo em suas múltiplas expressões.


Vou compartilhar um outro caminho de estudos com você, que percebo que gosta muito dos estudos sobre o NT:

Tenho trocado e-mails com Yung Suk Kim, um professor de Novo Testamento coreano, radicado nos EUA. Ele está publicando um livro interessante, com o título "CHRIST'S BODY IN CORINTH".

É uma leitura política sobre o "soma toû Christoû".

É uma outra linha de interpretação que me interessa (há mais informações sobre o livro em: www.youaregood.com/bookchristbody.htm).


Bom: é isto...

Obrigado pela hospitalidade.


Abraços,

Brian
http://estudosnonovotestamento.blogspot.com/

 57 
 : 28:02:08:12:53:11 
Iniciado por Mário - Última Mensagem: por Mário
Na recente discussão sobre Paulo de Tarso, à luz de Hyan Maccoby, foi levantada a questão da ideologia no trato das questões históricas e em especial dentro do nosso tema.

Aparentemente, foi estabelecido um consenso naquela discussão de que os autores sempre serão movidos por sua ideologia. Assim um cristão levará a argumentação no sentido de comprovar sua fé um ateu fará exatamente o contrário.

Eu gostaria de discutir os limites desta acertiva visto que não concordo com a aplicação desta idéia de forma generalizada, principalmente, porque sua aceitação implica na aceitação da desonestidade intelectual com a qual não posso compactuar.

Desde que iniciamos no Yahoo o Grupo JesusHistorico temos explicitado na nossa descrição que a fé nunca poderá ser utilizada como argumento e as discussões devem se basear na metodologia da moderna pesquisa histórica. regra que na medida do possível procuramos preservar.

Se isso não fosse possível, e tem sido demonstrado viável por vários autores, teríamos que desprezar acredito que cerca de 90% da literatura sobre o Jesus Histórico visto que ela foi produzida por autores que professam a fé cristã.

Assim, John Meier é um padre católico e Charles Charlesworth é um pastor protestante e conseguiram em suas obras pesquisar o Jesus Histórico sem se levar por sua fé.

Quando a Aíla afirma naquela discussão que Maccoby omitiu dados que, seguramente, conhecia para justificar seus argumentos temos que suspeitar de má fé. E sem essa de que não devemos julgar para não sermos julgados, pois considero esta uma das máximas mais hipócritas do cristianismo.

Eu gostaria de considerar então este ponto de partida para discutirmos este importante tópico.

 58 
 : 28:02:08:12:08:05 
Iniciado por Aíla - Última Mensagem: por Mário
Seja bem-vindo Brian, você vai acrescentar expertise nesta nossa discussão.
Desculpe esta digressão provocada pelo Gildemar e por mim. Ela não deveria ter acontecido neste tópico.
Mas nem os cristãos são perfeitos certo?


P.S. O Brian também postou mensagem no tópico Mc 9:42

 59 
 : 28:02:08:06:40:09 
Iniciado por administrador - Última Mensagem: por brian_kibuuka
Caros Colegas,


Gostaria de propor uma tradução para o texto.

A tradução proposta pela Aíla é:

Citar
Mc 9,42 E quem escandalizar a um destes pequeninos que crêem [em mim]*, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma pedra de moinho e fosse lançado** no mar.


O pronome relativo no nominativo singular "hós", quando aparece com a partícula "án" (também "eán" em Mt 5.19,32) denota um tempo futuro indefinido. Logo, entendo que não deve ser traduzido simplesmente por "quem", mas por "quem quer que" ou "qualquer que" - puro preciosismo. A partícula também denota aquilo que é esperado que ocorra, quando acompanhada de um subjuntivo (que é o caso). Logo, o verbo skandalízo, que está na terceira pessoa do subjuntivo presente ativo (skandalízei) deve ser traduzido segundo esta noção. A tradução fica, por enquanto, assim:

"E qualquer que escandalize"

Sem me deter nas minúcias seguintes, proponho a seguinte tradução literal, sabendo-se que a presença do kaí em Marcos segue o "vav consecutivo" do hebraico, tornando os verbos todos conjugados como o primeiro:

"E qualquer que escandalize (aoristo no subjuntivo) um desses pequeninos, desses da crença (em mim), bom é para si se é atada (o verbo é passivo) (uma) pedra de moinho de asno (sing) em volta do pescoço dele e é lançada (o verbo é passivo: bébletai) para (eis+acusativo, designando o adjunto adverbial de lugar para onde) o mar.

Quanto à purificação do Templo, uma informação:
Jesus derrubou a mesa dos kollubistaí (cambistas) e a cadeira dos que katéstrepsen (venderam, o verbo está no aoristo, não no imperfeito) pombas... Ele não permitia que alguém conduzisse skeúos (vasos, vasilhas). O ato de Jesus eliminou a troca das moedas pela moeda do Templo (tíria, segundo Joachim Jeremias), acabou com a compra dos sacrifícios (cadeiras de vendedores) e fez cessar o sacrifício dos animais já pagos e levados para o altar. Em minha opinião, cá está a causa da sua morte (Ver: VOLKMANN, M. Jesus e o Templo). Para não haver sedição e interferência, orquestraram sua prisão num horário e local mais propícios, sem maiores agitações.


Abraços a todos,

Brian

 60 
 : 28:02:08:04:25:21 
Iniciado por Aíla - Última Mensagem: por brian_kibuuka
Caros colegas Aíla, Mário e Gildemar,


Gostaria inicialmente de afirmar o grande prazer em participar das discussões deste fórum.

Agradeço também ao Mário pela menção amigável e honrosa à minha participação na lista "Jesus Histórico".

Bom, li todos os posts, desde o início da discussão, e acho que a contribuição que posso dar é quanto ao judaísmo de Paulo.

Bom: inicialmente, sobre a fundação do cristianismo por Paulo, a tese de Maccoby (explícita no título do livro) não é dele. É antiga: pertence à WREDE. E sobre as dúvidas quanto ao judaísmo de Paulo, Wilhelm Heitmüller, no artigo Zum Problem Paulus und Jesus, já tratava da questão com grande propriedade (In: ZNW 13 (1912), p. 320-337). Bousset e Bultmann já afirmaram que Paulo pertence a uma tradição judaica helenista. Mas Paulo era judeu e mantém parte do legado judeu: eis a grande "descoberta" de Sanders, que praticamente fundou a "New Perspective on Paul" (SANDERS, E. P. Patterns of Religion in Paul and Rabbinic Judaism: A Holistic Method of Comparison. HTR 66 (1973). p. 455-78.).

Por que, então, considero Maccoby equivocado (e não sou o único: sou acompanhado por Wright, Kim et al.)?

Vamos à citação de Maccoby, posta bondosamente pela nossa colega Aíla:
Citar
En el libro presente, he usado la evidencia rabínica para establecer una contención más tangible: Aquel Pablo, quien el Nuevo Testamento desea retratar como si hubiera sido un Fariseo (Parush), quien nunca lo fue. Las consecuencias de esto, para nuestro entendimiento del cristianismo temprano son inmensas.

Pois bem: o paradigma e as fontes usadas pelo autor são:
- os ensinamentos dos fariseus (enseñanza de Fariseos)
- O Talmude e outros trabalhos rabínicos;
- Textos ebionitas;
- Pirké Avot;
- etc... (o que significa: outras fontes judaicas)

Porém, ele ignora o que se chama "judaísmo formativo" (por Andrew Overman). Até que ponto o judaísmo era matizado como o autor pretende afirmar?

A análise crítica do Talmude Babilônico e Palestinense (entre outros...) tem revelado que as tradições tidas como antigas não correspondem ao contexto do judaísmo pré-70. Os textos e cartas palestinenses e helenísticas revelam o caráter multifacetado e apocalíptico do judaísmo de então. Estas informações podem ser encontradas em: MONTEFIORE, C. G. Judaism and St. Paul: Two Essays. New York: Dutton, 1915; MOORE, G. F. Christian Writers on Judaism HTR 14 (1921). p. 197-254; MOORE, G. F. Judaism in the First Centuries of the Christian Era. 2 Vol. Harvard: HUP, 1927; DAVIES, W. D. Paul and Rabbinic Judaism: Some Rabbinic Elements in Pauline Theology. 4ª Ed. Philadelphia: Fortress, 1980 [1948]; SANDERS, E. P. Patterns of Religion in Paul and Rabbinic Judaism: A Holistic Method of Comparison. HTR 66 (1973). p. 455-78; DAS, A. Andrew. Beyond Covenantal Nomism: Paul, Judaism, and Perfect Obedience. Concordia Journal 27 (2001). p. 234-52; DAVIES, W. D. & STURDY, John (eds.). The Cambridge History of Judaism: Volume 3 - The Early Roman Period. Cambridge: CUP, 1999. p. 3.678-730.

É certo que o rabinismo apenas surgiu como movimento mais exclusivista após a destruição do Templo. A partir deste período, cristãos foram expulsos da sinagoga (como defende BROWN, R. E., A Comunidade do Discípulo Amado, p. 34ss; e CARTER, W. Matthew, p. 27, 29, 53, 129). Antes disto, o judaísmo não era aquilo que a tradição judaica formada apenas 200 anos depois quer fazer crer.

Só pra dar dois exemplos do NT da tolerância judaica nos meios mais intolerantes:

- Tiago era líder da sinagoga de Jerusalém;

- Estevão não foi condenado pro dizer ser Jesus o Messias, mas por acusar os membros do sinédrio de assassinos [phoneîs] e traidores [prodótai] (At 6.52-54);
...

Em minha opinião, as fontes judaicas usadas por Maccoby são ANACRÔNICAS!

Quanto às fontes judeu-cristãs - no caso, ebionitas - concordo com a afirmação de Maccoby postada bondosamente pela Aíla:

Citar
Robert Graves y Joshua Podro en el “Evangelio Nazareno”. Ellos han restaurado la tendencia que tenían los Ebionitas muy en serio; pero aunque ellos hicieron algunos comentarios fuertes en contra de ellos. Espero que el este libro presente haga más para cambiar esta actitud predominante y despectiva hacia la evidencia de esta comunidad fascinante e importantemente antigua, la secta judía de los Ebionitas.

Mas tenho alguns senões a fazer. Primeiramente, ele supervaloriza a importância dos ebionitas, em detrimento da importância do querigma. No querigma cristão primitivo, desde muito cedo, antes da redação de qualquer epístola paulina, estavam:

- Fórmulas sobre a ressurreição: que afirmavam a ressurreição de Jesus por Deus (pisteúomen hóti ho theòs égeiren Iesoûn ek nekrôn);
- Fórmulas sobre a morte: que afirmavam a morte (apothaneîn, ou entrega [paradoûmai, doûnai]) de Jesus pelos crentes ("por nós" [hemôn]), numa indicação entiga da morte expiatória;
- Aclamação, ou homologia [homologeîn]:afirmavam o senhorio de Jesus nas categorias da LXX (kýrios [Ieroûs]).

Ainda há outras fórmulas, mas estas bastam para revelar que a proclamação mais primitiva surgiu no interior de uma comunidade palestinense, judaica, inserida no Templo (At 2.46: "Diariamente perseveravam unânimes no templo"') e aceita pela comunidade judaica. Pois bem: o ebionismo não assumiu o querigma, e se assumiu, o negou. É por isto é que ele desapareceu enquanto grupo cristão. Vejamos características do texto ebionita e de grupos cristãos-judaizantes (se quiserem ampliá-las depois, a gente cria um post só pro tema):

- Evangelho dos Ebionitas: há familiaridades com os sinóticos, mas enfatiza o chamamento dos apóstolos, com estilo "nós" e marcas da INIMIZADE COM O TEMPLO. Eles eram menos judeus que Paulo só por causa disto (CULLMANN, RGG II).
- Evangelho dos Hebreus: há menções ampliadas das evidências da ressurreição de Jesus, com forte ênfase para a importância de Tiago (HENNECKE, SNG).



Portanto, voltando ao argumento sobre o judaísmo de Paulo.


Voltando para a relação de Paulo com o judaísmo, é importante afirmar: mesmo com sua proclamação, o cristianismo judaico era aceito na sinagoga. Daí, a segunda afirmação a se fazer é: no centro do querigma paulino está o Antigo Testamento, lido segundo o querigma (nas epístolas mais antigas) e segundo os desenvolvimentos próprios que ele imprimiu.  As citações do querigma em Paulo apontam para a redenção e expiação, temas judaicos. As temáticas de Romanos subscrevem a idéia de pecado do judaísmo farisaico. E ele resolve o problema de suas crenças com o querigma cristão-primitivo, com a idéia de redenção, de expiação (por sua vez, extraída de uma concepção judaica):

- "por nossos pecados" (1 Co 15.3): ecoa Is 53.4-6,11s.

Maccoby é um autor respeitável. Mas desconfio de pesquisas como as acredito que existem pesquisas que descrevem de maneira mais apropriada os limites judaísmo paulino, sem colocado numa "camisa-de-força" anacrônica.

O estudo do Novo Testamento passa, necessariamente, pela compreensão da pluralidade do cristianismo primitivo. A observação dessa exigência é uma das mudanças mais significativas na pesquisa neotestamentária do século XX - e ela não é observada pelo autor, ainda que ele liste e critique cada uma das escolas de interpretação do Novo Testamento em sua obra.

Helmut Koester,  por exemplo, afirmou que a compreensão do judaísmo, do helenismo e do Império Romano é decisiva para a análise da diversidade cristã das origens. De fato, o contexto é um importante fator para se entender as diversas facetas do testemunho cristão, sendo ainda importante ressaltar que as dimensões mais amplas do judaísmo, helenismo e do Império Romano, quando aproximadas, também revelam grande disparidade interior, além de interseções importantes entre si.

Um segundo ponto de observação, com relevância para os estudos paulinos, são as diferenças entre as tradições do cristianismo primitivo. Estas distinções não são percebidas apenas no detalhamento das assimetrias entre os textos de tradições distintas,  mas no reconhecimento e intercâmbio explícito entre as mesmas.

Em terceiro lugar, os autores cristãos não apresentam pensamento monolítico, uniforme e invariante. É possível encontrar grande disparidade no pensamento do mesmo autor, quer seja na mesma obra,  quer seja entre as obras escritas pelo mesmo autor. Afirmar que as particularidades de Paulo o descaracterizam como judeu é como fazer uma arca que leva ao Hades e colocar lá Paulo, Anás, Caifás, Fílon, Gamaliel etc.

Um novo fator de análise que acho que pode ser considerado emerge no encontro com as tradições cristãs neotestamentárias: a história da pesquisa, que permite o encontro com diversas facetas e leituras dos diversos testemunhos sobre o cristianismo. O percurso da investigação a respeito das diversas tradições deve passar pelo exame circunspeccioso dos critérios, métodos e conclusões assumidas desde a recepção do texto. Os contextos judaicoe pagão devem ser estudados com maior proximidade.

Diante de tantos “Paulos”, é preciso reaver o contexto em que o apóstolo Paulo surgiu. É isto que Maccoby tenta, mas acho que fracassa pela sua "unilateralidade". Vejamos aspectos gerais:

1) O Uso do Antigo Testamento no Novo Testamento: o testemunho neotestamentário está profundamente ligado com as expectativas e esperanças do judaísmo. Grande parte dos conceitos do Novo Testamento são ecos ou releituras do ambiente veterotestamentário. É preciso recuperar o tema do judaísmo no cristianismo.

2) A Influência de Jesus e da Igreja Primitiva em Paulo: uma vez compreendido o Novo Testamento e sua vinculação com o Antigo, deve-se partir para a vinculação de Paulo com o chamado querigma cristão. As semelhanças e diferenças existem, e precisam ser devidamente investigadas e apontadas.

3) Paulo Sob o Signo do Judaísmo e do Helenismo: a análise mais recente a respeito de Paulo trata da relação entre Paulo, o judaísmo, o helenismo e o Império Romano.

Acho que a obra que mais se aproxima desta análise não é a de Maccoby. É uma obra antiga, mas pra mim ainda não superada: MEEKS, Wayne. Os Primeiros Cristãos Urbanos. Ela é cheia de defeitos, mas consegue olhar o texto numa perspectiva mais clara. Os textos de Richard Horsley também são bons, mas falham pelo radicalismo (afirmar que a ekklesia era uma sociedade política de contracultura, etc).

Bom: esta é minha contribuição...

Abraços a todos,

Brian

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