Oi Mário,
Fim do monólogo...
Aproveitando o tópico para comentar a posição de Hyam Maccoby sobre o contexto sócio-cultural da Palestina no século I, a partir da tradução que você publicou na MPHP em 3 partes:
Bem, Maccoby, de uma forma geral, nos fornece uma perspectiva muito interessante do cenário político da Palestina nos tempos de Jesus: (a) judaísmo dividido entre partidos; (b) alguns partidos são colaboracionistas, outros são inconformistas; (c) O sumo-sacerdote é indicado pelas forças dominantes estrangeiras e pertence a um dos partidos colaboracionistas, os sadoceus do templo; (d) a ala dos incoformistas está dividida em matizes, dos adeptos à revolta militarista até os radicais à espera da intervenção divina; (e) a figura do Messias é vista conforme o posicionamento de cada partido; (f) para colaboracionistas o Messias era apenas uma fantasia dos radicais incoformistas ou uma idéia ameaçadora ao
status quo; (h) para os incoformistas o Messias era um líder militar que tomaria o poder de Roma pela força ou aquele que conduziria o povo ao arrependimento preparando a manifestação da intervenção de Deus; (i) Jesus é um dos líderes da ala inconformista; (j) Jesus acreditava ser o Messias com direito de reinar Israel; (k) Jesus tinha o posicionamento de que o Messias iria preparar a manifestação de Deus; e (l) Jesus rejeitava a idéia de uma revolta militar, não se preparava para isso, ao mesmo tempo, se preocupava em cumprir as Escrituras, planejando suas ações com base nestas, como por exemplo a entrada triunfal durante a Festa dos Tabernáculos, ou ainda o local de acampamento no Monte das Oliveiras, onde aguardou intensamente a manifestação de um milagre.
No entanto, vejo alguns problemas, talvez sob a influência das idéias de Sanders e Eisenman:
1) Não se pode confiar na popularidade dos fariseus com base nos escritos de Josefo. Josefo era fariseu e deve-se avaliar se sua descrição dos fariseus não está carregada de propaganda;
2) O partido dos fariseus não era "despossuído", nem destituído de "posição de poder político", nem também indiferentes e alijados de "reconhecimento dos romanos";
3) O partido dos fariseus indicava o líder do Sinédrio, o Nazi de Israel, os quais eram descendentes de Hillel em sua maioria, como foi Gamaliel, nos tempos de Jesus;
4) A partir dos Manuscritos do Mar Morto, se apresenta outra corrente, esta sim com características populares, afastada das elites, os qumranitas, ou zadoquitas, ou sadoceus contrários ao templo, zelosos, e daí chamados zelotas, como identificavam a si mesmos;
5) Josefo também menciona a ala inconformista. Surgida, segundo, ele na época do nascimento de Jesus. Nela identifica os essênios, pacíficos, aqueles que aguardam o messias e a intervenção de Deus, e os zelotas, terroristas, também chamados sicários, responsáveis por incitarem a revolta que causou a destruição de Jerusalém;
Portanto, no cenário dos tempos de Jesus, os fariseus faziam parte da ala colaboracionista, exatamente conforme o cenário apresentado nos Evangelhos, e certamente apoiaram as ações que culminaram na morte de Jesus, bem como apoiaram a perseguição e o assassinato de membros da ala inconformista, em especial os de maior apelo popular.
Foi somente depois da destruição do templo, e da quase totalidade dos revoltosos, que os fariseus assumiram o status que ficou perpetuado nos escritos de Josefo, o status de representantes populares do judaísmo, guias responsáveis pelos rumos do povo judeu.
Foi somente depois da destruição do templo que o judaísmo esboçou a configuração que tem hoje, a partir do judaísmo rabínico, invenção dos fariseus.
Portanto, com a descoberta dos MMM, se descobriu também que a oposição entre o movimento de Jesus e os fariseus não é anacrônica, reflexo dos conflitos entre a Igreja primitiva e as comunidades rabínicas, como se advogou por muito tempo, não, ela faz parte do cenário político próprio dos tempos de Jesus, a oposição entre colaboracionistas, agarrados às suas posições de poder, bem negociadas e em equilíbrio tênue, e inconformistas, na expectativa do momento em que as estruturas de poder vigentes seriam derrubadas.
No cenário de Maccoby, certamente não cabe um Judas Iscariotes, ele tem que ser uma invenção. Já no outro cenário, influenciado pelos MMM, avaliando Josefo mais propriamente, sem esquecer que ele era um fariseu escrevendo depois da destruição de Jerusalém, o personagem Judas Iscariotes encontra seu lugar próprio.
Mencionei Judas Iscariotes porque ele é o grande emblema da bandeira de Maccoby: a afirmação de que os escritos do NT são carregados de propaganda anti-semita.
A verdade é que os escrito do NT são a manifestação de conflitos internos ao próprio povo judeu, do mesmo tipo que se vê na literatura de Qumran.
E é nesse cenário que se deve ver também outros personagens muito importantes: Tiago, o justo, amado do povo; e Paulo, o fariseu assassino que mudou de lado.
É isso. Por enquanto. Aguardo comentários.